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Felício Mascarenhas

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Decisões que criam ou destroem valor

Recentemente, uma intrigante pesquisa da Booz&Company* trouxe à atenção algo que orbitava no universo da suspeita até que a boa e velha estatística convertesse em fato observável: as empresas perdem uma quantidade impressionante de Valor devido a decisões infelizes.

 

* Booz&Company, The Root Causes of Value Destruction – How Strategic Resiliency can Help – A Booz&Co foi adquirida pela PwC e hoje é conhecida como Strategyand – http://www.strategyand.pwc.com/

 

 

A pesquisa entrevistou executivos de 103 das maiores empresas mundiais, selecionadas por um critério de perda gradativa de valor de mercado nos últimos 10 anos. As causas avaliadas foram: decisões estratégicas; problemas operacionais; questões de conformidade legal/regulatória e fatores externos em geral. E ao contrário do que poderíamos apostar, problemas operacionais crônicos foram responsáveis por apenas 7% da perda de valor destas organizações; problemas de conformidade, por apenas 9%, e fatores externos – pasmem –, por apenas 3%; enquanto decisões estratégicas desastrosas lideraram amplamente o ranking, com 81%.

 

Isso deixa bastante claro o quanto a criação ou destruição de Valor está nas mãos de decisores – pessoas que, como eu e você, circulam pelos corredores das empresas, comentam sobre o clima e futebol nos elevadores e batem papo na sala do café. Mas será que nas empresas brasileiras esta realidade é muito diferente?

 

Nossa governança em desenvolvimento, cultura organizacional e dependência do mercado global poderiam elevar a pontuação de um quesito ou outro, mas, honestamente, não acredito que o resultado seria muito diferente.

 

Se olharmos para casos emblemáticos de destruição massiva de Valor em empresas brasileiras nos últimos anos, veremos que decisões desastrosas tomadas por executivos e chanceladas por Conselhos e Comitês, em um contexto de aparente boa governança, constituíram a causa mais representativa das mazelas resultantes.

 

Basta lembrar dos já desbotados casos de empresas que se embrenharam a apostar em instrumentos derivativos sem a devida prudência e precaução na iminência da crise de 2008. De tantas lições já extraídas destes casos, destaca-se o fato de que uma “simples” decisão imprudente pode colocar a perder o patrimônio acumulado durante décadas, não importando quantos mecanismos de governança estejam implementados e não havendo misericórdia em relação às centenas de decisões acertadas sob as quais se alicerçou o sucesso passado destas empresas. Isto nos traz uma compreensão quase mística do que há por trás do índice de 81% apontado pela pesquisa da Booz.

 

O que vemos em comum nestes e na grande maioria dos casos de destruição do Valor é que há sempre seres humanos por trás do botão vermelho. Em última instância, através da palavra final do CEO, ou por meio dos votos do Conselho, as decisões mais determinantes do futuro das empresas são fruto da mais pura e simples expressão do livre arbítrio humano. E o instrumento normalmente empregado para a aferição da qualidade destas decisões acaba sendo a simples constatação do sucesso ou do fracasso resultante, fazendo com que muitas empresas caminhem à beira do abismo sem que seus acionistas possam vislumbrar uma noção real do perigo que estão correndo ou que poderiam estar evitando.

 

Um componente indispensável nesta reflexão é o ambiente de negócios brasileiro – um dos mais complexos do mundo. Em mercados mais maduros, errar é o meio mais efetivo de se produzir o insumo básico para o alcance do sucesso: a experiência. Porém, errar em uma atmosfera altamente complexa e complicada como a brasileira, pode causar traumas irreversíveis. Nossos empresários e executivos sabem disso, e dessa intuição surgem diferentes posturas, que podemos classificar em três grupos:

 

  1. o grupo daqueles que fazem grandes apostas;
  2. daqueles que nunca fazem apostas e;
  3. daqueles que se cercam de uma estrutura decisória robusta.

 

O primeiro grupo se alinha aos casos das empresas que tiveram enormes prejuízos com instrumentos derivativos à época da crise mundial de 2008. É difícil saber se apostas como estas são feitas pelo desconhecimento dos perigos ou pelo mero fascínio pelos altos retornos. Sendo uma coisa ou sendo outra, os decisores deste grupo desconhecem ou ignoram o apetite ao risco de suas empresas ao fazerem suas apostas. E enquanto contam com a sorte, geram resultados expressivos, até que a sorte desapareça. As pesadas consequências vivenciadas por empresas brasileiras com este perfil têm contribuído para um amargo aprendizado e para uma mudança de postura bastante positiva.

 

O segundo grupo, em outro extremo, não aposta; investe apenas o mínimo, conta apenas com o sucesso do passado e sustenta-se nele. Este é um comportamento de sobrevivência, fruto da mentalidade de que a única e exclusiva missão dos executivos é proteger o Valor dos acionistas. Olhando de longe, pode até parecer que existe uma sabedoria preservativa nesta atitude, porém os efeitos no longo prazo podem ser tão devastadores quanto aqueles causados por apostas infelizes feitas pelo primeiro grupo. Tome-se como exemplo, os diversos casos de empresas que não adaptaram ou reconstruíram seus produtos e seu posicionamento face às violentas variações do ambiente de negócios – incluindo mudanças nos hábitos de consumo, novas regulações, mudanças políticas, econômicas, culturais e rupturas tecnológicas. Todas elas foram esmagadas pelo desaparecimento gradativo da demanda por seus produtos. A sua falta de apetite ao risco as mutilou ou as extinguiu com o tempo.

 

O terceiro grupo, que se cerca de uma “estrutura decisória robusta”, demanda uma atenção especial de nossa parte. Note-se que não estamos falando de uma estrutura decisória burocrática, típica das matrizes ou subsidiárias de empresas multinacionais. Para estas, a burocracia pode até fazer mal, mas não mata. Estamos falando de um grupo que, a despeito de estar inserido no mesmo ambiente complexo dos demais, não abre mão da decisão estruturada. E mesmo ciente de que isto significa investir mais tempo, recursos e energia no processo decisório, nenhuma etapa será queimada quando o que se está decidindo pode mudar a história da empresa. Este é o grupo da “consciência elevada”. São empresários, executivos e conselheiros que aprenderam a equilibrar ousadia e cautela nas cadeiras das escolas, do comando e da vida. A fibra de que são feitos é composta por uma densa mistura de conhecimento, experiência, sabedoria, ética e visão sistêmica.

 

Antes que nos empolguemos e caiamos na armadilha da idealização, é preciso dizer que este grupo também não está imune. Muitos empresários e executivos com este perfil já sucumbiram diante dos impactos de decisões desastrosas. Empresas brasileiras de alta governança, repletas de mecanismos de boa gestão, com um quadro exemplar de executivos de primeira, fracassaram enquanto cumpriam todos os requisitos para um excelente processo decisório. Nestes casos, o que pode ter falhado? O primeiro possível vetor que ajuda a responder esta pergunta afeta este grupo da mesma forma que afeta os demais: ele também é formado por seres humanos, suscetíveis aos mesmos erros que cometem os grupos um e dois.

 

Existe, no entanto, um segundo vetor que talvez tenhamos mais condições de atuar e tratar – o “culto à forma”. É só exagerar um pouco na ênfase que se dá à forma de decidir, em detrimento do conteúdo da decisão, que o modelo decisório “ideal” pode se tornar uma grande decepção. Isto nos faz pensar que mesmo quando mecanismos consagrados de gestão e governança representam o orgulho da empresa, o propósito para o qual eles foram implementados pode estar muito longe de estar sendo cumprido. E neste caso, a sua existência poderia ser tão nociva quanto a sua total ausência. Isto é perceptível, por exemplo, em um Conselho de Administração que se transformou, ao longo do tempo, em um mero ritual corporativo. Sua função de organizar e facilitar o processo decisório, aproximando executivos de acionistas, foi gradativamente sufocada pelo excesso de formalismo e de informações de suporte. É quando os decisores se afogam no próprio processo decisório.

 

Outro exemplo é aquele planejamento estratégico que resulta em um compêndio de mil páginas, recheado de termos de negócio e gráficos de Harvard. O propósito fundamental deste instrumento deveria ser, simplesmente, apontar a direção da empresa nos próximos cinco anos, prevendo riscos, oportunidades e delineando objetivos concretos a serem perseguidos. Isto pode até estar sendo feito com maestria, mas, por algum motivo, após finalizado e validado em Conselho, acaba sendo ignorado durante as tomadas de decisão de muitos departamentos. Desta forma, a empresa traça uma direção para não segui-la, define objetivos para não persegui-los, e toma decisões na contramão do caminho traçado. Quando as decisões estratégicas tomadas ao longo do tempo não se respaldam no planejamento aprovado em Conselho, temos um sintoma claro de que mais um importante mecanismo de gestão tornou-se mera peça decorativa. É o típico caso em que o barco está à deriva enquanto os passageiros e tripulantes acreditam que está sendo pilotado.

 

As empresas brasileiras deveriam manter distância de mecanismos proforma de decisão, buscando continuamente o alinhamento ao terceiro grupo e tomando ciência de que, a despeito do fato de que a estrutura decisória constitui um fator chave, a decisão em si será sempre um ato humano, composto por elementos subjetivos e muitas vezes contraditórios, como experiência, sagacidade, bom senso, ousadia, prudência, visão sistêmica, dentre muitos outros que não são providos por metodologias, ferramentas ou análises de dados.

E é desta forma que o “destino” das empresas vai sendo delineado. O que antecede uma história de sucesso é certamente uma sequência de decisões acertadas, protegidas por um processo decisório estruturado e conduzido por decisores capazes e conscientes.

 

O Valor vai sendo criado na exata proporção e frequência em que decisões acertadas vão sendo tomadas. É assim na vida, e nas empresas não será diferente. O tamanho do sucesso ou do fracasso será determinado pela qualidade do processo decisório e pela maestria – ou falta dela – de seu corpo de decisores.

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