No artigo passado, mencionei um grupo de tomadores de decisão que se cerca de uma estrutura robusta para decidir. Algumas pessoas me perguntaram, “Mas afinal, o que seria uma estrutura decisória robusta”?
Tentando simplificar a resposta, um processo decisório robusto – no nível estratégico – é aquele que proporciona o equilíbrio ótimo entre criação e preservação de valor. Ter à disposição um conjunto de ferramentas que habilitam o processo decisório a preservar ou criar valor – dependendo dos riscos ou oportunidades que se apresentam – pode ser a chave do tão almejado modelo decisório ideal. E com base nesta definição, elenquei um conjunto de “dez mecanismos” que quando presentes, sob a premissa básica de que os decisores sejam hábeis e experimentados, indicam a tal robustez a qual me referia.
São eles:
- Planejamento estratégico;
- Conselhos e Comitês;
- Capacitação sistêmica dos executivos;
- Inteligência de mercado;
- Enterprise Resource Planning (ERP);
- Inteligência de negócios;
- Governança de custos;
- Gestão de Riscos Corporativos;
- Áreas de Compliance;
- Ambiente de Controles.
A lista não é exaustiva – existem outros mecanismos que contribuem fortemente – porém a ideia é discorrer um pouco sobre aquilo que comumente tenho observado ao longo dos anos em clientes, diagnosticando e tentando traçar um norte de como harmonizar o que nem sempre funciona como deveria.
Vamos a eles:
- Planejamento estratégico
Comumente observado: É comum encontrarmos dois extremos: empresas que concentram todo o pensamento estratégico no topo (C-Level e Conselho de Administração) e aquelas que delegam ao nível tático sua definição e articulação estratégica. No primeiro extremo, vemos organizações robustas no planejamento e anêmicas na execução; no outro, um nível gerencial energizado, porém desfocado e com pouco senso de direção. Em ambos é comum encontrar problemas de comunicação entre a alta administração e o nível gerencial, fazendo com que as decisões no nível tático se distanciem dos objetivos estratégicos ou com que as diretrizes não sejam compreendidas claramente pelo nível gerencial. Ambos os extremos resultam em conflitos de agência e perda de Valor.
Como harmonizar: Não basta desenvolver um plano estratégico de excelência a cada cinco anos e revisá-lo anualmente a portas fechadas. A articulação estratégica deve tornar-se uma dinâmica ininterrupta de avaliação das forças internas e externas da Organização. O reposicionamento deve ser feito de forma anual, considerando a velocidade com que o ambiente de negócios se transforma, e o desafio maior é fomentar uma dinâmica estratégica capaz de permear a organização como um todo. As diretrizes estratégicas devem embasar as decisões do dia a dia em todos os níveis, e com isso promover a eficácia da execução estratégica. Obviamente que não estamos falando de um conceito trivial. Sua implementação requer ajustes na maneira de pensar, traduzir, comunicar e executar a estratégia, e a ignição para este processo deve vir do topo. A alta administração e o Conselho devem desejar que a organização passe a se movimentar estrategicamente em todos os seus níveis.
- Conselhos e Comitês
Comumente observado: É comum que os membros de Conselhos e Comitês acabem se colocando “dentro da caixa corporativa” e ali ficando. Esquecem-se de observar o negócio por um ponto de vista mais elevado, de onde poderiam identificar necessidades de mudança de rumo face às incertezas futuras e aos riscos de mercado. Este comportamento ocorre devido a dois principais fatores: membros de Conselhos e Comitês não recebem dados suficientes para habilitá-los a inferir sobre as questões mais amplas do negócio; e/ou são insuficientemente preparados para interpretar a informação disponível sob múltiplas perspectivas.
Como harmonizar: Os Conselhos e Comitês necessitam, continuamente, aprimorar o seu modus operandi e capacitar os seus membros em disciplinas que conduzam a um modelo decisório mais robusto. Ao mesmo tempo, as informações disponibilizadas a cada reunião devem conter detalhes úteis, que reflitam visões não enviesadas do negócio. O pré-requisito para que isso ocorra passa pela integração dos processos e sistemas da organização, por uma eficiente estrutura de inteligência de negócios, pela capacitação dos membros e pela seleção acertada de membros independentes.
- Capacitação sistêmica dos executivos
Comumente observado: Executivos são treinados e aperfeiçoados em suas competências funcionais, porém pouco demandados a agir com base em uma visão sistêmica. Normalmente parte-se da premissa de que saber decidir é um “job description” restrito à instância departamental. Raramente o ato de decidir é visualizado como uma disciplina corporativa que requeira contínuo aprimoramento em base multidepartamental. Esta mentalidade enfraquece o processo decisório e, em consequência, a execução da estratégia.
Como harmonizar: Desenvolver continuamente habilidades decisórias mais amplas no nível executivo da organização, transcendendo a esfera das decisões específicas de cada executivo e deslocando-os de sua zona de conforto. Isto fará com que desenvolvam a habilidade de visualizar o todo, antes de aprofundar nas partes (visão holística), buscando o suporte de informações provenientes de múltiplas fontes e o envolvimento positivo das diversas partes relacionadas.
- Enterprise Resource Planning
Comumente observado: Após investir dezenas de milhões de reais na implantação de seu sistema ERP, grandes empresas têm entrado em uma “curva de desapontamento”, constatando que a informação entra com facilidade no sistema e sai com dificuldade em relatórios míopes ou excessivamente analíticos. Além disso, muitas empresas perdem conhecimento quando seus colaboradores passam a substituir o aprendizado do negócio pelo aprendizado de transações de sistemas, telas de menu e teclas de atalho. Isto leva à redução do exercício contínuo da tomada de decisão no nível tático, refletindo no nível estratégico e produzindo gestores e executivos com déficit de visão de negócios.
Como harmonizar: Não desconsiderando a importância de cobrar os fabricantes e implantadores pelo cumprimento da promessa do “eldorado da informação em abundância”, na prática, torna-se inevitável um esforço extra para que a informação que entra no sistema passe a ser extraída e apresentada de forma realmente útil ao processo decisório em suas diversas esferas. A maioria das ferramentas de extração e apresentação (nativas dos sistemas ERP’s ou não) acabam sendo ignoradas ao término dos projetos de implantação; esgota-se o orçamento e com ele o fôlego para avaliá-las e colocá-las em funcionamento. No pós-“go-live”, as empresas deveriam investir em programas de “aprimoramento do uso” de seus sistemas, incentivando as áreas de negócio a descobrir e compartilhar ferramentas e funcionalidades que alavanquem o processo decisório. Ao mesmo tempo, é fundamental investir em treinamentos focados nos processos de negócio, onde o sistema seja apresentado como um coadjuvante – um apoio à operação dos processos e nunca um fim em si mesmo.
- Inteligência de mercado
Comumente observado: A inteligência de mercado, também conhecida como inteligência competitiva, é uma disciplina essencial para a sobrevivência de uma empresa em seu mercado. Algumas empresas articulam este conjunto de atividades de forma sistemática e formal, outras colocam-no em prática embasados apenas na própria experiência e em dados de fácil acesso. De uma forma ou de outra, considerando o dinamismo do mercado na era da informação, poucas empresas exercem inteligência de mercado com a velocidade e a amplitude necessárias para que os riscos de perda de marketshare sejam continuamente minimizados. As áreas de marketing tendem a se concentrar no marketing operacional, e quando demandadas para colocar em prática a inteligência de mercado, acabam se restringindo à obtenção e síntese de dados mercadológicos. No final do dia, dificuldades de interpretação levam os comitês a conduzirem o processo de forma quase puramente pragmática.
Como harmonizar: A mais alta instância das empresas deve decidir se deseja sistematizar o seu processo de inteligência de mercado. É comum entre os executivos e acionistas a crença de que o processo de leitura de mercado e os passos decisórios decorrentes dele devam ficar confinados na habilidade deste grupo seleto. Desejar uma função de inteligência de mercado acoplada ao processo decisório formal de uma organização passa pelo preparo psicológico de seus executivos em confiar as etapas preliminares do ato de decidir aos profissionais que coletam, analisam e recomendam passos estratégicos. Para alguns executivos, isto pode causar a sensação de perda de poder, para outros, o efeito é o contrário, com resultados extraordinários.
- Inteligência de negócios
Comumente observado: Impressiona como a capacidade de armazenamento e processamento de dados evoluiu nas duas últimas décadas. Agora vislumbramos um novo patamar no “Bigdata” e em todo o insight de negócios que vem a reboque. Mas o mais impressionante é o fato de que, a despeito da extraordinária evolução tecnológica, as iniciativas de BI (Business Intelligence) não conseguiram satisfazer a expectativa de elevação substancial da qualidade do processo decisório em uma boa parte das empresas. Existem diversas explicações para isso; uma delas remete às implantações de sistemas de gestão (ERP) que levaram muito tempo para atingir a estabilidade funcional. As empresas chegaram a investir dezenas de milhões e continuam tendo problemas funcionais básicos, reduzindo o desejo de avançar ao passo seguinte. Outra explicação, que complementa a primeira, diz respeito a questões culturais, que variam obviamente de país a país. Executivos brasileiros, por exemplo, tendem a priorizar o reporte sob demanda – obtido por solicitações diretas às gerências –, caracterizado por um antagônico mix de especificidade e subjetividade. Qualquer informação estatística pré-moldada, ou fruto de uma estruturação sistêmica, será bem-vinda, mas não considerada fundamental para a tomada de decisão. No Brasil, isto também ajuda a explicar o orçamento modesto, na grande média, para as iniciativas de BI.
Como harmonizar: Uma vez que haja consciência de que o uso inteligente da informação é um fator chave para a qualidade do processo decisório, as empresas deveriam considerar investir mais em um modelo completo de Business Intelligence. Por outro lado, é preciso ter a serena compreensão de que existem pré-requisitos fundamentais, como a integração prévia dos sistemas que irão alimentar o datawarehouse, ou mesmo a mudança cultural que deve ser iniciada para que os executivos desejem lançar mão, plenamente, do poder da informação que o BI passa a viabilizar.
- Governança de Custos
Comumente observado: Administrar custos é vital para o alcance dos objetivos estratégicos; porém, nem sempre as empresas dominam esta disciplina de forma abrangente e eficaz. É comum que custos sejam controlados em “silos” e que muita ênfase seja dada a certos elementos que no final das contas não se mostram significativos para a otimização da margem, enquanto que custos com alto potencial de redução e minimização contínua são declarados inalteráveis pelo bom e velho status quo. Não ter as rédeas dos custos nas mãos, além de contribuir para a destruição do Valor, pode agravar bastante a situação quando fatores externos se tornam desfavoráveis. Uma das indústrias que tem sentido na pele esta dura lição é a aviação comercial – vide PanAm, Varig, Vasp, Transbrasil e outras ao longo da história. Neste setor, os custos operacionais são estratosféricos; quaisquer “turbulências” na economia ou nas regras do negócio fazem os controllers (aqueles do negócio e não os de voo) perderem o apetite, e provavelmente o sono.
Como harmonizar: Elevar a administração de custos a um nível corporativo, orquestrado por uma área ou comitê especialista que tenha autonomia, competência e isenção para definir parâmetros e limites, e que atue na consolidação das distorções de custos detectadas pelas próprias áreas de negócio. Estamos falando de um esforço coordenado e colaborativo. Costumamos denominar este conceito de “Governança de Custos”. Diz respeito ao estabelecimento de uma sistemática corporativa capaz de equalizar o interesse da administração e dos acionistas em relação à otimização de custos, com força para influenciar positivamente o estilo operacional da organização. A Controladoria pode e deve iniciar a difusão deste conceito, estimulando as áreas a reduzir custos por meio de metas transparentes, mensuráveis e continuadas, assumindo um papel diferenciado de ponto de apoio para todas as áreas que incorrem em custos significativos na Organização.
- Gestão de Riscos Corporativos
Comumente observado: Apesar de haver consenso quanto à importância de administrar riscos no nível corporativo, é comum observar iniciativas sendo conduzidas apenas por “pressão regulatória” ou como mera ostentação de um status de boa governança. A realidade média, especialmente das empresas brasileiras, coloca a gestão de riscos em um estágio ainda bastante inicial, longe do potencial que este mecanismo de governança pode fornecer. É comum que a responsabilidade pela Gestão de Riscos Corporativos seja atribuída aos profissionais de compliance, ou aos auditores internos – funcionários que se qualificam na missão de orquestrar o conceito, mas não de responsabilizar-se pelos riscos do negócio. O que se observa, na prática, é que os gestores de negócio querem se isentar da responsabilidade de gerir riscos em base formal e acabam por encarar qualquer atividade desta natureza como mais uma “auditoria” dos processos. Assim, muitas implantações de ERM (Enterprise Risk Management) acabam por se tornar um clássico placebo de ação inócua e onerosa.
Como harmonizar: De cima para baixo, a gestão de riscos corporativos deve ser incorporada aos demais componentes estratégicos e decisórios da organização: ao planejamento estratégico, aos conselhos e comitês e, sobretudo, à rotina diária dos executivos e gestores do negócio. É necessário que uma disciplina formal seja estabelecida, envolvendo as áreas de negócio e criando o “senso de responsabilidade sobre o risco” em cada área. É necessária também a inserção da visão positiva do risco – entendimento de que oportunidades representam riscos com impactos positivos, e que assim como os riscos, podem ser administradas em base formal. O processo decisório deve passar a considerar os inputs da gestão de riscos corporativos, orquestrados pela figura do “Risk Officer”, estabelecendo uma ponte entre os riscos do negócio e os modelos decisórios em vigor.
- Áreas de Compliance
Comumente observado: Áreas de compliance (auditoria interna, controles internos, compliance office e outras) representam mecanismos fundamentais de boa governança corporativa. Quando agem de forma harmônica e bem alinhada ao negócio, representam uma proteção efetiva ao Valor da Organização. Estas áreas visualizam o negócio por uma perspectiva distinta, caracterizada pela compreensão holística e não pressionada por metas financeiras. Contudo, esta compreensão, com todo o conjunto de informações úteis que a suportam, raramente é utilizada no processo decisório; pelo contrário, costuma ser tratada com timidez diante da crença de que fraquezas internas devam ser tratadas nos bastidores, em “entendimentos delicados” com os auditores externos, e só.
Como harmonizar: As áreas de compliance, com todo o resultado de seu trabalho, devem ser inseridas no conjunto de mecanismos decisórios da Organização. Isto não significa perda de isenção da Auditoria Interna ou do Compliance Officer; pelo contrário, valoriza estas funções à medida que reconhece a importância da consciência quanto às deficiências internas e suas causas. Em adição, quando os executivos e gestores das áreas de negócio visualizam estes profissionais como aliados do processo decisório, a velocidade com que os processos se aprimoram pode gerar, em consequência, ganhos significativos em performance e redução de custos.
- Ambiente de Controles
Comumente observado: Existe uma máxima no mundo corporativo que aparenta ser um ponto pacífico: não se pode aprimorar aquilo que não se controla. E todos parecem concordar que a fraqueza do ambiente de controles representa uma ameaça ao processo decisório. No entanto, a despeito destes consensos, observa-se dois cenários que merecem um aprofundamento:
- i) Empresas de grande porte tendem a construir seu ambiente de controles motivados quase exclusivamente pelas pressões regulatórias (CVM, S-Ox, Basileia, reguladores, ressalvas, etc.). Neste cenário, observa-se um imenso esforço “pró-forma” cujo fim em si mesmo é satisfazer a demanda legal, favorecendo a construção de uma máquina de controles redundantes e burocráticos e deixando em segundo plano os benefícios reais que os controles eficazes proporcionam ao negócio.
- ii) Algumas empresas que possuem menor pressão regulatória tendem a se posicionar no extremo oposto ao cenário anterior, através da manutenção de um ambiente de controles “minimalista”: energia máxima na operação dos processos e mínima na operação de controles. Esta postura pode causar uma sensação de agilidade e liberdade nos negócios; no entanto, os efeitos colaterais podem ser severos, passando por fraudes, falta de transparência e falta de confiabilidade nos números que embasam o processo decisório.
Como harmonizar: Para os cenários extremos descritos acima, a evolução passa por uma via única: a do equilíbrio. O ambiente de controles de qualquer Organização, independentemente do porte e do rigor regulatório, deve equilibrar proteção e performance. Deve ser construído e mantido com uma robustez suficiente para cumprir o objetivo de aportar confiabilidade e transparência ao processo decisório, regularizar as atividades dos processos, proteger a empresa de fraudes e minimizar os riscos do negócio, sem que isso implique em uma dose desnecessária de gargalos e burocracia.
Novamente, quando tentamos digerir a pesquisa da Booz&Co (81% das destruições de Valor relacionadas a decisões estratégicas), levamos um ‘choque de realidade estatística’ que nos compele a uma vital reavaliação de prioridades.
Acreditamos que grande parte das empresas imputa a devida importância e se preocupa genuinamente com o tema. A grande questão, porém, é o quanto as iniciativas de aprimoramento do modelo decisório vigente têm feito diferença. Os dez mecanismos são uma sugestão viável, mas a resposta deve emergir de uma franca reflexão por parte de executivos, conselheiros e acionistas.